Desafios à eletrificação da frota brasileira em um contexto de descarbonização mundial
Será que os veículos híbridos e elétricos são a saída para diminuir a intensidade carbônica da frota de veículos leves no Brasil? Pode não ser o caso.
Há um consenso, muitas vezes protagonizado e defendido por nações desenvolvidas, de que a neutralidade carbônica do setor de transportes apenas pode ser atingida com a eletrificação da frota – principalmente a de veículos leves. Partindo do pressuposto de que montadoras já iniciaram investimentos para que seus modelos sejam ofertados em versões híbridas ou completamente elétricas, é de se esperar que o mercado brasileiro tenha de se adaptar para receber esta nova oferta veicular.
Desafios existem, especialmente porque são poucas as companhias que defendem a integração da eletrificação com os biocombustíveis – o que desaproveitaria todo o conhecimento que o Brasil tem na produção de etanol, por exemplo. Até o momento, existem apenas dois exemplos de soluções nas quais se integra o etanol à eletrificação no Brasil. Um deles é a comercialização de modelos elétricos flex, como o Corolla da Toyota; e o outro é o estudo da Nissan em ofertar veículos movidos a células de combustível com etanol que transformam o biocombustível em hidrogênio e, portanto, em energia elétrica. Trata-se de um desafio importante a este mercado no Brasil: o de integrar a já desenvolvida cadeia do setor sucroalcooleiro às soluções de eletrificação veicular.
Menosprezar a baixa intensidade carbônica que o setor de biocombustíveis possui impede com que outros setores da economia brasileira consigam diminuir o seu impacto ambiental. Explico. A produção de etanol apresenta resíduos que podem ser utilizados para a produção do biogás – que, quando tratado, é utilizado como substituto ao gás natural, demandado por instalações fabris e termelétricas normalmente em momentos de estiagem. Em verdade, a Raízen já iniciou o processo de comercialização do biometano para a Yara, a fim de que ela produza nitrogênio – elemento essencial para a produção de fertilizantes nitrogenados, altamente demandados pelo agronegócio brasileiro em plantações de milho, cana e café, por exemplo. A preferência cega pelo elétrico ignora a “capilaridade descarbonizante” que têm os biocombustíveis, principalmente o etanol.
Ou seja, o etanol, que já auxilia na redução das emissões da frota brasileira, também pode diminuir a intensidade carbônica de outros setores. Sendo o desafio de integrar a cadeia de biocombustíveis às soluções de eletrificação importante para não desperdiçar uma vantagem competitiva brasileira, igualmente relevante é a criação de uma malha de recarga confiável. A princípio, postos de recargas estão mais difundidos no centro-sul do país, o que limita locomoções para localidades distantes dos grandes centros urbanos. De acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico, existem pouco mais de 1200 postos de recarga no Brasil, sendo que quase 47% se localizam no estado de São Paulo.
Isto sem contar, também, dos inúmeros impasses legislativos que o setor de veículos elétricos doméstico enfrenta. A princípio, empresas que não sejam distribuidoras de energia não podem cobrar pela carga fornecida no reabastecimento, à medida que apenas as reconhecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica podem fazê-lo. A necessidade de maiores investimentos em infraestrutura e clareza jurídica são desafios que não devem ser ignorados, à medida que podem fazer com o Brasil tenha uma adaptação ainda mais lenta desta nova frota veicular em comparação à média internacional.
Chama atenção, também, o fato de que grande parte da tecnologia dos veículos elétricos está concentrada em um seleto grupo de nações – como a Alemanha, China e EUA. Ou seja, a massificação dos elétricos no mercado brasileiro é um ponto de atenção extrema, à medida que podem aumentar a dependência tecnológica do país e deixá-lo a mercê de países que, por escolhas econômicas protecionistas, podem colocar as decisões políticas à frente das econômicas. Este é o caso da China, que produz quase 60% de todo o lítio comercializado mundialmente; bem como 70% das baterias de íon de lítio – a qualidade mais utilizada por veículos elétricos.
Portanto, existem considerações que o Brasil deve fazer a fim de garantir uma benéfica colocação dos veículos elétricos no mercado. Sendo uma delas a integração com o setor sucroalcooleiro, bem como a criação de uma legislação capaz de auxiliar a expansão de uma infraestrutura confiável ao longo do país e distante das metrópoles regionais. Talvez, também, o atual ponto de inflexão e debate sobre a massificação de veículos elétricos seja o momento ideal para que se pense a respeito de quanto este tipo de veículo pode realmente auxiliar o país na redução das emissões de poluentes. O Brasil tem uma das mais produtivas técnicas de cultivo de commodities usadas para a produção de combustíveis como o biodiesel e o etanol, de tal forma que superestimar a tecnologia importada em detrimento do know-how doméstico de biocombustíveis pode ser um passo equivocado em direção à seguridade energética do país.
Obrigado por ler, e espere por mais textos em breve,
Heitor Paiva
Exatamente. Mais importante de tudo isso é: temos soluções internas de tecnologia que nos permitem diminuir nossa pegada carbônica sem que tenhamos que fazê-la importando material estrangeiro. É o momento de pensarmos em quanto o Brasil pode se blindar da dependência externa que a cadeia dos elétricos cria.
Parabéns Heitor pela iniciativa.
A matriz energética do Brasil é uma das mais limpas e tem total capacidade de se manter assim independente das tecnologias externas. Não acredito no carro elétrico como solução a curto ou médio prazo e isso se deve basicamente aos séculos que a pesquisa relativa a baterias foi colocada em escanteio. Vejo o álcool como solução já empregada com sucesso aqui.
Existe a possibilidade da gasolina sintética, obtida a partir da captura de CO2 atmosférico, que pelo que li já existe em plantas reduzidas em produção e o chamado hidrogênio verde para células de energia produzidas por força eólica em nosso litoral.