Decifrando 2023: geopolítica, commodities e taxas de juros
Medo de recessão e aperto no mercado de commodities batalharão o posto de fundamento mais relevante. Geopolítica continuará fator chave em meio a um crescimento econômico global abaixo da média.
Volatilidade foi a palavra que marcou o ano de 2022, e em 2023 não deverá ser diferente. Os recentes acontecimentos geopolíticos e econômicos sugerem que o ano seguinte deverá apresentar padrões de preços de commodities bastante diferentes do usual. Abaixo as minhas previsões.
Rússia e Ucrânia: Irresolução é a palavra chave
A princípio, a invasão da Ucrânia deverá continuar. Poucas conquistas diplomáticas foram alcançadas que levassem ao descalonamento do conflito. Rússia está cada vez mais isolada das potências ocidentais, e busca refúgio nas nações da Índia e China.
Esta estratégia pode surtir efeito no curto prazo, à medida que compradores europeus de commodities russas são substituídos pelos asiáticos. Entretanto, em um horizonte de tempo mais largo, estes dois países não conseguem ofertar a tecnologia necessária para a Rússia. Isto pode atrasar o desenvolvimento de novas minas, bem como impedir o avanço da exploração de petróleo no ártico. Isto sem contar que se aliar à Rússia pode ser algo indesejado à Pequim. Quanto mais violenta for a ocupação Russa na Ucrânia, maior o risco de reputação da China em relação à comunidade internacional.
Mercado de Petróleo: Teto ao preço do petróleo russo vulnerabiliza oferta
Muito por causa da persistência do conflito na Europa, uma normalidade no mercado de petróleo e derivados ainda não é esperada. A recente decisão dos países ocidentais em definir um teto de preço ao óleo russo não foi totalmente compreendida, mas já há indícios de que o fluxo de exportação russo começou a cair. Se este for o caso, não há capacidade de produção ociosa na OPEP+ capaz de compensar a perda dos barris russos.
Em relação ao mercado de derivados, o embargo aos refinados russos na Europa tem início marcado para fevereiro. É difícil de imaginar Rotterdam sem embarques russos de diesel e gasolina. Quem estava salvando este mercado era a China, cujas exportações de destilados aumentaram. Entretanto, se o país demandar mais combustível em função da reabertura, as remessas chinesas devem diminuir. Fica a pergunta: de onde a Europa conseguirá importar combustível? EUA entra como o possível ofertante, mas a custo de inflação local – visto que preços domésticos irão subir, como forma de diminuir a arbitragem de exportação e manter produto “em casa”.
Europa e Gás Natural: Crise não superada coloca em xeque indústria
Duas variáveis para prestarmos atenção. Uma delas é o retorno da China ao mercado. Ela é a maior importadora de gás liquefeito (GNL). Se a demanda nos volumes pré-lockdown voltar no país, ela deixará muito menos produto disponível para os europeus – que serão forçados a pagar preços muito mais elevados para destinar as cargas para a região. Isto se faz ao custo de inflação doméstica. Europa parece mal posicionada para 2023. As infraestruturas de regaseificação de GNL estão sendo construída aos poucos, mas ainda não é suficiente para compensar 100% da queda de oferta de gás encanado da Rússia. Nord Stream 1 sofreu uma explosão em setembro que até agora não foi reparada.
Sem a energia mais barata do mundo, empresas deverão repensar a sua exposição à Europa. Como já estão. Inúmeras fábricas de fertilizantes foram fechadas e estão sendo abertas na Ásia. Sem manufatura, sem exportação e, portanto, euro mais fraco – à medida que importações estão crescendo, e muito rápido. Atenção à produção de fertilizantes nitrogenados, como ureia e amônia. Eles são altamente usados no trigo, milho, café e cana. Quanto menor a produção, maior o preço. A depender de quanto, fazendeiros podem decidir comprar menos. Isto deixa em aberto uma possível perda de rendimentos agrícolas nas safras a serem plantadas e adubadas em 2023.
Inflação: Efeitos de base mascararão quão altos estão os preços absolutos
Os efeitos de base já começaram a fazer efeito. Portanto, é natural esperar inflação de um dígito nos países desenvolvidos no ano que vem – com uma queda vigorosa, mas ainda insuficiente para levar os níveis abaixo das metas dos bancos centrais. Nos EUA, por exemplo, ela é de 2%. O que interessa é que, por mais que os índices anualizados apresentem variações negativas, os preços de muitas mercadorias continuarão exorbitantemente elevados. Vá a qualquer supermercado atualmente, e comprove isto. IPCA já está na casa de um dígito, mas a situação ainda é anormal. Colocando na conta o fato de que a China deverá reabrir no ano que vem, e que a oferta de muitas commodities está limitada, um renovado choque inflacionário não deve ser descartado.
China: Reabertura anima mercado de commodities, mas percurso será sinuoso
Ano da reabertura, mesmo que gradual e mais lenta do que muitos analistas estejam esperando. É um grande passo. Grande para China, e maior ainda para o mercado de commodities.
Com os chineses de volta, é de se esperar que a atividade industrial no país ganhe força – o que vai demandar metais industriais, como cobre e zinco, principalmente. Ambos apresentam estoques globalmente baixos e um choque de demanda seria o suficiente para levar os preços para cima. Tudo indica que a reabertura chinesa será acompanhada de uma retomada no setor de construção civil do país, que corresponde a 30% do PIB. Pacotes de auxílio, e um abrandamento da política monetária e fiscal sendo esperados para 2023 deverão auxiliar esta retomada.
Entretanto, é evidente que o abrandamento das medidas de contenção da Covid deverá ser gradual. Como também o será a reabertura. Os casos estão aumentando rapidamente, bem como as mortes. Com este cenário é difícil de se antever uma retomada vigorosa no consumo, principalmente quando se considera que a confiança dos consumidores chineses está próximo das mínimas históricas. O país vai se reabrir, mas talvez não tão rapidamente quanto o mercado está esperando.
Política Monetária: Retração não é o suficiente para Powell mudar de ideia
A princípio, não há indícios de que os EUA irão cortar as taxas de juros em 2022. Nem que muitos de seus pares desenvolvidos o farão. Isto seria algo inédito, dado que uma recessão está contratada para o ano que vem para países europeus. EUA apresentará crescimento abaixo da tendência de longo prazo, mas, mesmo assim, é um valor positivo.
Mercado de trabalho estruturalmente apertado e óleo e gás caros deverão manter a chama da inflação acesa – e este medo fala mais alto do que suportar a economia no caso de um desempenho econômico mais fraco. Este parece ser o entendimento de Powell neste momento. Portanto, cabe ao mercado de commodities se perguntar como estes ativos negociam em um ambiente de juros estruturalmente altos.
Estamos diante de mais um ano que tem tudo para ser memorável, e muito volátil. Fatores geopolíticos devem continuar sob o radar, especialmente porque nada indica que a Rússia irá tirar suas tropas da Ucrânia. Isto reforça o aperto de commodities, que apenas fará preço se falar mais alto que o medo de recessão nos traders. Vamos acompanhando. Nos vemos em 2023.
Obrigado por ler, e espere por mais textos em breve,
Heitor Paiva
Excelente!