Algumas incertezas quanto ao futuro econômico da China
Fatores que garantiram um crescimento excepcional à China parecem estar perdendo relevância, o que cria um alerta à Pequim no longo prazo. Quais são eles?
A China atualmente é o maior consumidor de matérias-primas, com uma demanda representativa por grãos, petróleo e derivados, bem como metais. Os chineses viram a elevação da nação a este patamar durante o início da década de 2000, quando passaram por um intenso processo de urbanização graças ao acúmulo de poupança e massivos investimentos em bens de capital por parte de Pequim.
Em menos de 20 anos, a China apresentou um crescimento de 850% em seu PIB per capita – atualmente estimado próximo a US$9k. Ainda abaixo do limite inferior de US$12k das nações desenvolvidas, mas acima do brasileiro. Chama atenção, no entanto, que os fatores responsáveis por garantir crescimento de dois dígitos ao país estejam se tornando ausentes – ou, pelo menos, mais fracos. E quais são eles? A princípio, três: envelhecimento rápido da população chinesa; mudança na política de incentivo ao setor imobiliário como indutor do desenvolvimento; e, por fim, restrição ao acesso à tecnologia ocidental em função de questões geopolíticas.
Crise de Natalidade
A China passa por uma das mais rápidas transições demográficas do mundo. Em menos de uma década, a taxa de fertilidade no país caiu dos 2,31 em 1990 para menos de 1,15 em 2020 – antes da pandemia. Vale lembrar que a estabilidade populacional é apenas atingida com taxas superiores a 2,1. De acordo com o órgão de estatísticas chinês, a população local cresceu em apenas 480 mil pessoas em 2021; há dez anos, este número girava em torno de 8 milhões. Em função dos dados serem publicados com delay, não saberemos com precisão agora – mas é muito provável que este aumento de 2021, quando ajustado para contabilizar as mortes, seja o primeiro declínio absoluto da população da China em mais de seis décadas!
Sendo a China um país de produtividade não alta, um declínio populacional é algo preocupante – especialmente quando se considera que as recentes políticas de estímulo à natalidade, que estão em vigor hão mais de uma década, não surtiram efeito. Se tem algo em escassez na China são os bebês!
Indefinição no Setor Imobiliário
Quase que 30% do PIB chinês é gerado pelo setor de construção civil, considerado até meses atrás como a maior reserva de valor da economia global. Entretanto, Pequim tem mudado algumas regulamentações do setor, o que tornou a rentabilidade de novos projetos das construtoras pouco rentável.
Em 2017, Xi Jinping disse no 19º congresso do partido comunista chinês que “casas são para morar, e não para especular”. Desde então, as grandes metrópoles chinesas começaram a adotar e criar mecanismos legais para que a venda de um imóvel fosse autorizada apenas após 4 anos de sua compra. Muitos atribuem estas medidas ao fato de que os reguladores chineses acreditavam que o país estava caminhando para o estouro de uma bolha do setor de habitação, nos anos de 2010, no entanto.
Independentemente do que originou esta mudança de política, algo é certo: as grandes construtoras ficaram sem caixa em mãos, e muitas tiveram que atrasar a entrega de novos imóveis em 2022. Compradores não satisfeitos com esta situação resolveram cessar os pagamentos dos financiamentos – o que criou uma crise sem precedentes no setor. Pequim tem feito de tudo para o reanimar, mas nada parece ter êxito. Problema é que este setor tem uma enorme participação no PIB, e sem ele não dá para ficar. Pela primeira vez em mais de 20 anos, a venda de casas na China caiu quase 50% no ano em 2022!
A importância do setor imobiliário chinês é que ele apresenta um efeito em cadeia extremamente notável. Quando construções estão em ritmo acelerado, o mercado de commodities metálicas normalmente fica apertado. Minério de ferro e cobre são normalmente ativos bastante sensíveis aos ciclos de construção civil na China. O mesmo acontece com combustíveis, principalmente o diesel.
Restrição de acesso à tecnologia ocidental
Diferentemente de algumas nações asiáticas que conseguiram se beneficiar de um certo alinhamento com as economias ocidentais desenvolvidas, a China tem um problema geopolítico relevante. Ela tem buscado diminuir a sua dependência tecnológica do ocidente, de forma a internalizar ainda mais o seu crescimento. O problema é que, ao fazer isto, ela está diminuindo o espaço para colaboração para além das fronteiras, que, por sua vez, retarda o seu próprio ritmo de inovação tecnológica doméstica.
De acordo com o FMI, inovações feitas nos EUA levaram a um crescimento na produtividade chinesa na casa dos 0,2%. Ou seja, quanto mais Pequim se fecha, menos dinamismo a longo prazo a sua economia parece que terá. Estimativas apontam que sem esta integração, o PIB potencial chinês de 2050 deverá ser 6% menor do que em uma situação oposta. Por mais que nacionalizar o crescimento seja uma ótima receita para navegar em mares turbulentos – que parecem ser a nova realidade, considerando a volatilidade nas relações geopolíticas internacionais –, ela também ameaça fatores que garantiram o crescimento da China até os dias de hoje.
Todos os pontos levantados colocam em xeque a visão de que o crescimento chinês manterá o mesmo ritmo de expansão observado até 2020. Isto não significa, no entanto, que o país entrará em bancarrota, mas que há a possibilidade de uma acomodação do crescimento anualizado do produto interno chinês em patamares mais baixos do que o usual.
Como forma de garantir um futuro econômico não ameaçado pelo problema demográfico, crise no setor imobiliário e exclusão das tecnologias ocidentais, cabe ao governo repensar o papel da China na economia internacional. Entretanto, isto não será uma tarefa fácil — mas interessante de acompanhar nos próximos anos.
Obrigado por ler, e espere por mais textos,
Heitor Paiva
Excelente. Perspectivas que agregam muito em entender o cenário!
Excelente. Obrigado pelo texto!